Nas passarelas da temporada de verão 2022, as marcas trouxeram a união do digital e presencial - e grandes apostas para o novo normal. Depois de um longo período, as semanas de moda começaram a voltar ao formato presencial. A fase da pandemia, entretanto, abriu espaço para outras possibilidades, daí que as marcas buscaram manter o link digital para garantir o amplo alcance da apresentação, ao mesmo tempo que era enfatizada a saudosa experiência na sala de desfile. Tudo junto, real e digital, tem se mostrado eficiente como fortalecimento da imagem da marca e da mensagem que o designer quer passar. E há quem tenha utilizado as mesmas ferramentas para criar um show metalinguístico, como Balenciaga e Anrealge. Se o futuro é antena, passado é porto seguro e continua sendo baú de pesquisa, inclusive para reverenciar trajetórias de grifes como Louis Vuitton e Balmain, que celebram datas importantes neste ano.
Memória afetiva
“Eu adorava o som dos flashes disparando nos desfiles dos anos 1980, quando as modelos estavam em uma passarela elevada. Eu queria recapturar essa emoção”, conta Virginie Viard, que trouxe de volta para o Grand Palais Éphémère tanto a passarela com os fotógrafos acotovelados ao redor quanto a atitude descontraída das modelos da época. De quebra, a diretora criativa presta homenagem a seu mentor, Karl Lagerfeld, que assumiu a Chanel em 1983 e costumava fotografar ele mesmo as campanhas. Para registrar as imagens, Virginie renovou a parceria com a dupla Inez & Vinoodh, que clicou a modelo Vivienne Rohner – ela apareceu no cenário e no convite – e mais cinco filmes com nomes como Lily-Rose Depp e Alma Jodorowsky repetindo o gesto com a câmera.
Raízes familiares
Baseado em Johannesburgo, Thebe Magugu é um dos novos nomes da temporada a se prestar atenção. Ele tem sido um dos responsáveis por colocar no radar da moda a nova geração de criadores culturais sul-africanos, que abraça e relê suas tradições. Tanto que essa coleção olhou para a família de Magugu com um vídeo estrelado pelas musas maiores do estilista – a mãe e a tia – e mostrando os pontos fortes de sua moda ultracontemporânea: o uso de estamparia, a alfaiataria moderna e o orgulho das raízes africanas.
Corpo-Escultura
Se você está buscando um “novo normal”, Jonathan W. Anderson pode ajudar – ou ajudar a confundir. Para o verão da Loewe, o criador preferiu mergulhar na antiestética histérica (como definiu) para trazer a moda um pouco mais perto da comunicação sublime. O ponto alto? Os anexos- -armaduras que inventavam novas silhuetas protuberantes sob as malhas, faziam contrastes metálicos com tecidos do dia a dia, como denim, ou adornavam com transparências os torsos, relembrando que a moda não precisa fazer sentido para ser interessante.
Novo real
O mood de Jean Seberg no filme Bom Dia, Tristeza alimentou muito do verão da Max Mara – e ajudou o diretor criativo Ian Griffiths a rejuvenescer a imagem pós-quarentena da marca, que completa 70 anos em 2021. Chique e comfy, ele mescla os casacos clássicos da casa com a vontade de um guarda-roupa mais acolhedor para o cotidiano.
Matrimônio à italiana
Surpresa do calendário, a Fendace é o match entre Donatella Versace e Kim Jones, atual diretor criativo da Fendi. As duas marcas entraram na onda das supercollabs de luxo e se divertiram nos arquivos alheios para uma coleção especial. Donatella (criando para outra marca pela primeira vez!) brincou com os símbolos da Fendi, como o clássico monograma criado por Karl Lagerfeld. Do outro lado, Jones e Silvia Venturini Fendi abriram os baús da medusa para rever momentos históricos, incluindo o vestido com alfinetes dos anos 1990.
Volta ao trabalho
Depois de tanto tempo abusando do keyboard dressing, o novo dresscode do escritório pode parecer uma incógnita. Miuccia Prada quis dar um chacoalhão nas normas ao propor na Miu Miu, com croppeds e cinturas baixas, um guarda-roupa que aplica sexualidade à formalidade – e mostrando que o “bem vestida” poderia não precisar deixar de lado uma dose de ousadia, no caso da menor minissaia da temporada, e de puro conforto na alfaiataria.
Força da silhueta
Explorando a mitologia da Saint Laurent, Anthony Vaccarello resgatou uma bem-vinda musa para 2021: Paloma Picasso. Designer de joias e amiga de YSL, ela foi uma das forças motrizes por trás da história do criador. E agora, homenageada, ajuda a colocar a maison em um rumo instigante: o da mulher poderosa, dona de uma silhueta retrofuturista e que não tem medo de exalar sua sexualidade, seja nos decotes, seja na forte alfaiataria.
Stella McCartney está interessadíssima no poder dos cogumelos. A expansão da consciência, nas mãos dela, vai no caminho de uma produção de roupas mais coerente com a natureza. Os fungos não aparecem só na estamparia de sua moda esportiva-chique, mas – e principalmente – no uso de um novo “couro” experimental feito à base deles, que usa pouquíssima energia e água para ser produzido e dá assunto a uma nova linha de bolsas supersustentável.
Game ON
Maria Grazia Chiuri olhou para uma fase pouco trabalhada até hoje na Dior: a de Marc Bohan, terceiro diretor de criação da maison. O foco foi a coleção Slim Look, de 1961, que foi considerada pela imprensa da época tão impactante quanto o new look em 1947. As silhuetas revelam cortes e efeitos gráficos com color block e o comprimento característico do momento. Aliás, o período que está de volta como forte inspiração tem tudo a ver com os debates sobre feminismo levantados pela atual e primeira diretora criativa da grife. O tempero desta vez foi a artista italiana Anna Paparatti, de 85 anos, que concebeu a cenografia do desfile como o tabuleiro de um jogo. Detalhe: os vários motivos e materiais lembram a lendária boate romana Piper Club.






Renovação
Desconstruir para reconstruir. A proposta de Riccardo Tisci tem total sintonia com a atmosfera mundial, mas no verão 2022 da Burberry fortaleceu um exercício do diretor criativo em torno da peça icônica da marca, o trench coat, criado há mais de 100 anos. Misturando gabardine, o material clássico, e linho texturizado, vieram modelos cropped na parte de trás, lapelas exageradas, mangas e bainhas rústicas.

Vida phygital
Enquanto as fashion weeks comemoram o retorno aos shows presenciais, depois de tanto tempo com apresentações on-line, a Anrealage mergulha ainda mais no mundo digital, onde é habituée. O ateliê experimental do japonês Kunihiko Morinaga abre uma discussão que atende a várias frentes – do surrealismo social da moda que é vendida virtualmente apenas dentro de telas a novas construções de roupa, traduzidas para o mundo aqui fora. Se os limites entre real e irreal vão nublar mais no futuro, a Anrealage quer ajudar a abrir esse caminho.


Mundo verde
Um ano depois de ser contratada como diretora criativa, a uruguaia Gabriela Hearst oficializou a Chloé no mapa da sustentabilidade. Essa segunda coleção introduziu o projeto Chloé Craft, com peças que utilizam a mão de obra de artesanias locais, além de materiais reciclados ou de baixo impacto. Por conta desse esforço, a marca conquistou a certificação B Corp, tornando-se a primeira empresa de moda de luxo a ostentar um dos selos mais rigorosos entre os controles sérios de sustentabilidade.


De volta para o futuro
No pensamento circular da moda, as atenções da geração Z estão fortes no começo dos anos 2000 e em sua estética perdida. Perspicaz, a Dolce & Gabbana olhou para seus arquivos da época para reviver um pouco do glitz de então. E aí, vale tudo – da camisetinha com strass à calça cargo, do over de estampas ao sutiã aparente. Tudo pronto para o próximo challenge do TikTok.

Bal Masqué
A Louis Vuitton está celebrando seus 200 anos e, para o verão 2022, Nicolas Ghesquière convidou para um baile de máscaras. Porém, não um baile qualquer. Para extravasar, melhor que a noite não acabe, que o tempo seja infinito, ainda que seja verdade apenas na imaginação e ajude a unificar séculos e estéticas em uma fusão criativa que transforma até um humilde uniforme em puro luxo. É nessa simbiose e na percepção do tempo que o diretor criativo da Louis Vuitton tem estado cada vez mais interessado e que resulta em misturas dignas de uma princesa do século 21.
Ceci n’est pas un défilé
Passarela para quê? O estilista Demna Gvasalia subverteu o show da Balenciaga para mostrar que desfile, hoje em dia, pode ser qualquer coisa. A coleção foi apresentada impromptu no tapete vermelho, mesclando modelos e convidados ilustres. O show principal? Um episódio dos Simpsons que faz piada com a indústria toda (incluindo o próprio estilista) – e que, claro, virou collab- -cápsula estampada com os personagens.
Alber para sempre
No encerramento da temporada, a moda se reuniu para saudar Alber Elbaz – um de seus mais queridos profissionais, falecido em abril, vítima de covid-19. O desfile amoroso reuniu 44 criadores, passando por clássicos, como Jean Paul Gaultier e Ralph Lauren, e novos nomes da cena, como Christopher John Rogers. Cada um relendo, a sua maneira, as marcas registradas e as influências inegáveis que Elbaz deixou na moda, como os volumes dos vestidos ou a irretocável gravata-borboleta que o próprio sempre usava.
Nova disco
A Fendi de Kim Jones mirou forte nos anos 1970 para retomar os trabalhos presenciais com vibração de discothèque atualizada. Para isso, ativou ícones daquela década – acetinados, paetês, franjas, maxilapelas – e homenageou o ilustrador porto-riquenho Antonio López, nome quente de então, trazendo sua arte finíssima para estampas e aplicações nos acessórios de couro.
Batalha de gerações
Após a discussão virtual sobre o que é ou não antiquado promovida por millennials (nascidos entre 1981 e 1995) e geração Z (nascidos entre 1996 e 2010), foi definido que o cabelo considerado cool pelos mais jovens é o dividido ao meio. Se depender do que foi apresentado durante as últimas semanas de moda, caso do desfile da Rodarte (foto), Etro e Coach, eles estão com a razão. Modelos retos, trançados, com efeito molhado e em tons fantasia, como o pink e o azul, se destacaram milimetricamente – e nada cringe – ao meio.
Showstopper
Olivier Rousteing comemorou uma década em frente à Balmain com festa nada modesta, abençoada por uma mensagem pessoal de Beyoncé na trilha sonora. A coleção principal pisou no acelerador de seu vocabulário sexy & poderoso, mesclando correntes douradas à volta oficial da cintura baixíssima. Na sequência, uma retrospectiva juntou amigas como Naomi Campbell para rememorar tudo o que Rousteing fez nesses dez anos em que ocupou o posto histórico de primeiro diretor criativo preto de uma grande marca de luxo.
Choker
A primeira passarela presencial de Miuccia Prada e Raf Simons para a Prada tinha de ser em dobro. E foi, literalmente. Em Milão e Xangai. Milimetricamente ao mesmo tempo. A experiência-marco exigiu muito planejamento e equipes dignas de nado sincronizado. A dupla passarela também foi espaço para a reflexão sobre o que é sexy. Curioso que tudo começou da análise que “elegante” é uma palavra meio antiquada, daí que a dupla passou a investigar que shapes que já tiveram essa conotação ou foram consideradas sensuais um dia significam hoje. Boa pensata, como era de se esperar dessa dupla.
Verão 2022: Inspire-se nas tendências da passarela para a estação (revistalofficiel.com.br)