A década de 90 talvez seja uma das mais injustiçadas da história. Embora tenha sido palco de eventos extraordinários, ela não é lembrada com a mesma paixão concedida a outros períodos. Os anos 1960 têm uma aura de magia inquestionável, atrelada à luta pelos direitos civis e ao movimento hippie. Nos anos 1980, foi a cultura pop, na voz de Michael Jackson e na de Madonna, que construiu a sua merecida fama. Os anos 2000, com o surgimento das redes sociais, levam o devido crédito pela maneira como mudaram a sociedade.
Os anos 1990, contudo, foram injustamente diminuídos por não ter uma única marca registrada, mas isso não reduz o seu valor. De certa forma, houve, naquele tempo, uma grande e apimentada salada em diversos campos. Em 1991, deu-se a última sessão do Soviete Supremo, marco do fim da União Soviética. Três anos depois, em 1994, o presidente Itamar Franco daria a largada para o Plano Real. Na cultura, a onda grunge conquistaria uma legião de fãs e, na ciência, a clonagem da ovelha Dolly abriria inimagináveis frentes na genética. Agora, com a onda nostálgica que ganhou força na pandemia, os 90 estão de volta — um justo resgate para um período marcado por grandes transformações.
VELHO VISUAL – A celebridade americana Kendall Jenner (à esq) e a atriz brasileira Grazi Massafera: calça rasgada e pochete como símbolos da era inspirada em antigas tendências – Reprodução/Instagram
A moda é o carro-chefe do revival. Kim Kardashian e Grazi Massafera, por exemplo, têm mais em comum do que os milhões de fãs nas redes sociais. Ambas incorporaram a moda de três décadas atrás. A celebridade americana abraçou as marcantes criações de Jean-Paul Gaultier e trouxe para seu guarda-roupa várias peças com tela estampada, ou printed mesh.
Por sua vez, Grazi foi vista em diversas ocasiões com uma pochete da Givenchy pendurada no ombro. Peça de gosto controverso bastante difundida no século passado, ela renasceu depois que Karl Lagerfield, o ex-todo-poderoso da Chanel, levou a bolsinha para a passarela. Com a adesão de celebridades e influenciadoras, agora pode ser encontrada tanto nas lojas de artigos de luxo quanto nas redes varejistas de moda.
Revisitar o passado tem sido relevante (e lucrativo) para as redes de varejo. As marcas dão Na Renner, as licenças de séries, ícones e cartoons que fizeram sucesso nas TVs da década de 90 incluem Mortal Kombat, Beavis and Butt-Head, MTV, Friends, Guns N’Roses e Nirvana, entre outros. Já a rede de lojas C&A, além das produções internacionais, adicionou recentemente numa coleção, feita em parceria com a Ambev, peças inspiradas na campanha Pipoca com Guaraná, da Antarctica, uma das referências da publicidade nos anos 90.
. A indústria da moda, de fato, mergulhou na onda nostálgica. “Começamos estudando quais eram os hábitos e para quais fins aquela moda era usada”, explica Fernanda Feijó, diretora de estilo da Lojas Renner. “Em seguida, transportamos essa indumentária para os tempos atuais e percebemos ali quais são as características que cabem para os dias de hoje.”
Os anos 90 também foram marcados por grandes mudanças na tecnologia. Se hoje em dia o que se vê na indústria é uma disputa voltada para novas funções para os displays dos smartphonese atribuições alinhadas ao que o 5G pode oferecer, naquele tempo as demandas dos consumidores eram outras. Os dispositivos móveis funcionavam apenas para chamadas telefônicas. Em 1996 chegava ao mercado o Nokia 9000 Communicator, o primeiro celular com acesso à internet — mas só para quem vivia na Finlândia, país de origem da marca.
Publicado em VEJA de 19 de agosto de 2020, edição nº 2700
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